segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Mobilidade urbana e eleições

Nesta segunda-feira (24) recebi email de um colega pedindo para responder a questionário sobre ciclabilidade das cidades brasileiras. O estudo faz parte da pesquisa de mestrado no programa de Pós Gradução em Engenharia Urbana da Universidade Federal de São Carlos. Muito interessantes a pesquisa e o estudo.
Mas o email me fez pensar novamente sobre a questão "Mobilidade urbana x Eleições"!

Já explico:


Engenharia de trânsito (assim como gestão de trânsito) é cadeira de curso superior (creio que de engenharia civil) já há algum tempo. O problema é tema de estudo há muitos anos. As administrações municipais têm em suas estruturas áreas específicas para enfrentar a questão - no caso, os Departamentos de Engenharia de Trânsito (DETs). Ou seja, profissionais e estudiosos se dedicam, em tempo integral, a encontrar soluções e alternativas.

Então, porque será que nosso trânsito continua piorando progressiva mas continuamente? Se temos profissionais estudando e pesquisando o tema a fundo, nas universidades e centros de pesquisa e nos DETs, porque não se notam melhorias consistentes em nossa realidade?

Soluções pontuais são experimentadas aqui e ali, mas não há cidade no Brasil que tenha enfrentado (e vencido) com seriedade o problema da mobilidade urbana.

Aumento da frota

Não me venham dizer que a culpa é do aumento exponencial da frota de veículos transitando nas nossas cidades. Porque imagino que esse deva ser o dado primeiro e mais importante na "prancheta" de qualquer engenheiro de trânsito. Qualquer cidadão medianamente informado sabe que é constante o aumento do número de carros nas ruas, por conta de uma série de fatores - como a propalada ascensão da classe média e a facilidade de obtenção de crédito de uns tempos para cá.

Se esse é o principal motivo do problema de mobilidade de urbana, e todo engenheiro de trânsito bem sabe disso, porque então nunca se resolve essa equação? Afinal, se existem departamentos de engenheria de trânsito nas principais cidades, se o problema é alvo de diversos estudos nas principais universidades brasileiras, porque, afinal, não se está nem perto de uma solução para os constantes congestionamentos que atormentam nossas urbes?

Estudos

Como no caso do colega que enviou o email, várias são as universidades que desenvolvem estudos sobre a questão. A mobilidade urbana (construção de ciclovias em cidades brasileiras) foi tema da monografia final, no curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC-MG, da filha de um colega do trabalho. Pesquisadores buscam soluções para a mobilidade por meio da inserção de diversos modais, como a bicicleta e as várias formas de transportes públicos - metrô, ônibus, vans, veículos leves sobre trilhos, trens, mototaxis, etc.

Aqui e ali, algumas dessas experiências ganham forma e são implantadas, individualmente, em municípios: o metrô está nas principais cidades brasileiras. Outras têm trens sobre trilhos, como o Trensurb de Porto Alegre, ou trens convencionais, como no Rio de Janeiro e em São Paulo. Os mototaxis são bastante comuns em várias capitais do país.

As experiências ganham o mundo real, mas os sistemas globais de transportes urbanos não são alterados. Não são pensados como um todo. Não são reorganizados. E, com isso, os problemas, os congestionamentos, continuam crescendo.

Não conheço nenhuma experiência, no Brasil, que tenha começado do zero a implantação consciente de um sistema de transporte tendo por base a mobilidade urbana, e não baseado em veículos automotores. Um sistema intermodal, fundado nos estudos acadêmicos, no conhecimento acumulado nas pesquisas, nas experiências locais e nos exemplos mundo afora (como em algumas cidades da Europa, em que cerca de 50% das locomoções realizadas se dão por meio de bicicletas, casos de Amsterdã e Copenhague).

Política eleitoral

A verdade é que qualquer ideia de se implantar projetos de mobilidade urbana esbarra na política eleitoral. Porque projetos dessa natureza não são concluídos durante o curso de uma gestão de quatro anos. Projetos de mobilidade exigem muito planejamento, obras, campanhas de divulgação e conscientização. Exigem mudança de cultura.

São projetos que se, começados numa gestão, quase certamente serão concluídos e assinados por uma próxima gestão - que receberá os louros (e votos) por sua realização.

Então, mesmo imaginando que existam bons projetos, oriundos da academia e dos DETs, que poderiam melhorar, e muito, a mobilidade em nossos municípios, e que eles entrem em processo de concretização, em algum momento de sua implantação, nos escalões estatais mais altos, alguém uma hora vai perguntar: ficou ótimo, mas... isso vai nos dar votos? Nessa próxima eleição?

A resposta, seguramente, será sempre negativa.

Porque projetos de mobilidade não se implantam em pouco tempo. São como lavouras: precisam ter solo fértil preparado, precisam ser plantados, regados e precisam de tempo para amadurecer. A colheita, para que se tenha bons frutos, não é imediata - demora algum tempo.

Mas como quem manda é o prazo das urnas, o que normalmente vemos acontecer é o que se passa no Distrito Federal, com a implantação de partes incongruentes de um projeto, às avessas e meio atravessado, sem solução de continuidade, mais para atrair votos do que para resolver alguma coisa. Ônibus novos entregues em meio a um sistema caótico e desgastante; pedaços de ciclovias (ou calçadas maquiadas) desconexas, apenas em pontos isolados.

Governante sério

As soluções e alternativas já devem existir nas pranchetas dos estudiosos e profissionais. O problema é colocá-las em prática. E isso só vai acontecer quando nós, eleitores, alçarmos ao governo - o voto é nossa única arma - governantes sérios, que usem todo esse conhecimento produzido para que finalmente uma cidade brasileira veja implantado um sistemas de transporte urbano inteligente, dinâmico e atualizado.

Que nosso voto eleja governantes que pensem como Estadistas, e ajam como tal (o que é muito difícil no sistema político brasileiro), colocando em prática iniciativas que surtam efeito.

2 comentários:

  1. Mauro, bom texto. Mas não acho que o problema só esta nas eleições. Esta nas eleições pois somos nós que os colocamos lá. Mas é incrível como falta conhecimento técnico nas prefeituras para que executem bons projetos voltados para a mobilidade das pessoas. Até mesmo na acadêmia, se formam engenheiros de tráfego que estão preocupados apenas com a fluidez do trânsito e não com as pessoas, menos ainda com a bicicleta.

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  2. Você tem razão, Yuriê. Mas creio que mesmo projetos parciais, que busquem apenas a fluidez no trânsito de automóveis (e não a mobilidade urbana), não são concretizados, muitas vezes, por conta do custo eleitoral.

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